21.1.07

À Volta de um Cartaz

Temos visto nas ruas da nossa cidade um cartaz colocado pelos favoráveis à liberalização do aborto. Fala da necessidade de acabar com a humilhação no dia 11 de Fevereiro.

Ficamos a entender que para eles a liberalização do Aborto se justifica porque é uma humilhação para as mulheres, ser considerado um crime o aborto, nas dez primeiras semanas e a pedido, sem qualquer outra razão.

É evidente que o cartaz só tem sentido porque os seus autores sabem que não há prisões de mulheres por aborto em Portugal e porque as penas aplicáveis nos últimos anos maioritariamente recaíram não sobre as grávidas mas sobre os outros “intervenientes” no processo, tão esquecidos nesta pré-campanha. Ou seja, não havendo grades para mostrar, descobriu-se que entrar nos Tribunais era já de si humilhante e justificativo para acabar com a lei.

O cartaz nesse sentido revela uma triste noção de Justiça que me deixa perplexo. Ir a Tribunal não é uma procura da Justiça mas é um acto humilhante! Procurar que “a Justiça se faça” não é uma tarefa essencial na sociedade moderna e civilizada, mas antes um menosprezo. No fundo estamos em crer que mesmo que houvesse uma absolvição para os que conceberam o cartaz isso também era uma humilhação!

Os nossos olhos porém ao olharem ao cartaz conseguem ver mais além. Na foto descortinamos uma mulher que se esconde. Tapa a cara. Essa parece ser a sua vergonha, a sua humilhação que se quis mostrar no cartaz. Ou seja, não é a presença nos Tribunais que está propriamente em causa, mas é antes esse momento ser fotografado.

Compreendo: há muitas pessoas que não gostam de ser retratadas nos seus actos privados. Têm o seu direito! Mais ainda quando essas fotografias se destinam a ser difundidas pela praça pública ou em órgãos de comunicação social!

Dito de outro modo, a ida daquela senhora só se tornou humilhante porque foi uma ida fotografada, utilizada pelos meios de comunicação social. Sabendo nós que os media só lá chegam quando alertados ou convocados, é fácil de ver que foram os movimentos pró-liberalização do aborto que chamaram fotógrafos, jornalistas ou operadores de rádio e televisão para estarem à porta do Tribunal a ver quem sai ou entra para ser julgado por crime de aborto. São os próprios proprietários do cartaz que incentivaram a foto que humilha a mulher que tapa a cara num julgamento para darem do facto notícia.

Mas essa humilhação provocada pelos próprios que agora se repugnam com a mesma, não acaba com a liberalização. Alguém julga que a mudança da lei vai acabar com humilhação da mulher que aborta, no sentido da exposição pública? Ou será que é ingénua a declaração ministerial a garantir a confidencialidade ou não confidencialidade de quem aborta em hospitais ou clínicas privadas?

A humilhação da mulher que aborta é aliás resultado dos problemas de consciência que muitas das mulheres têm quando abortam, independentemente de ser ou não legal. Só não terá problemas quem julga que está a “mandar na sua barriga”. Aliás veja-se até a perplexidade da questão em referendo que mantém o crime quando a mulher aborta fora de um estabelecimento de saúde, ou seja, quando esconde o que pratica!

Mas humilhação verdadeira e que deve ser acabada é a que sentimos por uma sociedade que apesar de acentuado declínio populacional, nada faz para salvar e assegurar o nascimento a tantas crianças cuja vida é terminada por um aborto.

Humilhação é sentir que há nascituros que não chegaram a nascer porque a sociedade não foi capaz de os amar e apoiar, permitindo o seu nascimento.

Isso é que é humilhação para uma sociedade que defende os direitos humanos!

Isso é que é humilhação para eliminar no referendo a 11 de Fevereiro!

RICARDO VIEIRA

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