6.2.07

O equívoco português: Liberdade contra Dignidade

As campanhas do Não e do Sim estão a lutar arduamente pelo voto dos cidadãos. Nos média, em campanhas de rua, debates públicos e reuniões alternativas têm procutrado esclarecer homens e mulheres sobre o conteúdo do referendo que se aproxima. Cada movimento defende o seu ponto de vista acerca da despenalização da interrupção voluntária da gravidez até à 10ª semana.
Ao longo da campanha cheguei à conclusão que a nação portuguesa está dividida em dois campos invencíveis. Nenhum debate entre os dois leva a uma síntese porque os movimentos adversos não partem do mesmo assunto em questão.
Para o Sim, o debate gira à volta do tema da liberdade da mulher, excluíndo uma profunda exposição acerca da sua necessária e responsável liberdade social e sexual. Confunde-se liberdade com escolha, e a sua livre decisão sobre o decorrer da sua gravidez, como se essa gravidez fosse só uma evolução biológica do seu corpo, não atribuindo ao feto a existência do valor de uma própria vida humana. Quem reduz patologicamente o feto/embrião a uma simples acumulação de células humanas nega que genética e eticamente ele é um ser humano em desenvolvimento.
É neste ponto que o movimento do Não se diferencia, pois baseia-se na igualdade da dignidade humana da mãe e do feto.
Deste modo, o conceito da dignidade enfrenta o conceito da liberdade. Dois temas essenciais para a nossa sociedade mas que são invocados paralelamente, sem encontrar o cerne da questão: como podemos melhorar as condições de vida para mulheres, grávidas, casais e crianças?
A campanha do Não tem por objectivo a protecção de uma nova vida, a defesa da dignidade do ser humano em desenvolvimento, pondo todo o seu esforço esclarecedor no ponto da igualdade entre a dignidade da mãe e do feto. Na questão da dignidade não se pode ponderar um contra outro. Porque a dignidade é uma característica imanente do ser humano e nenhuma qualidade, nem virtude, ou atitude. Por isso também não se pode discutir sobre o que é uma vida digna ou não digna, por isso resultaria numa nazista doutrina racial.
Portanto a vida é sempre digna, mas só as suas respectivas condições podem ser dignas ou não. Toda a discussão concentra-se neste supremo valor que é de facto a versão secularizada da doutrina religiosa que o ser humano foi criado à imagem de deus.
Quem defende a dignidade humana não pode atribuir esta característica imanente, só na 3ª, na 10ª semana, ou talvez só depois do nascimento, porque ela enquanto valor supremo já faz parte do nosso código genético e funciona a partir da concepção e durante todo o resto dos 9 emses até ao fim da nossa vida, que esperemos ser longa e de constante melhoramento das nossas condições de vida.
Toda a vida é um processo de desenvolvimentos e transformações mas há algo que nunca muda: a dignidade humana. O direito à dignidade - que implica o direito à vida - é a condição fundamental para uma sociedade solidária e democrática. Seleccionando quem tem direito à vida, e quem não tem, seria uma política totalitária, disfarçada na procura de uma liberdade moderna. Mas a modernidade da nossa sociedade decide-se somente em humanizar a sociedade, apoiando os mais fracos e carenciados, para sensatamente enfrentar todas as questões sociais e éticas que as transformações demográficas até 2030 hão de trazer para cada um de nós e às futuras gerações.

Ilse Everlien Berardo

2 comentários:

Anónimo disse...

Quantos vendilhões da moral não teria o Cristo de desancar se descesse hoje à terra?

Anónimo disse...

Sou Professor Catedratico de Genética e Biotecnologia e choca-me a votacao sobre a "terminalizacao" de vidas humanas por referendo. A vida é um valor essencial a preservar, e um feto as 10 semanas é ja um projecto de vida perfeitamente definido.
Assim como sou contra a pena de morte, tambem o sou contra esta votacao pela liberalizacao do aborto apenas por vontade da mae. Os pais nao tem direito de vida ou de morte pelos seus filhos.
Sei que é uma posição hoje politicamente incorrecta, mas como diziamos nos anos 60 e 70 nas lutas académicas contra a injustica da ditadura de entao, mesmo que o Sim venca no referendo de domingo, a "razao mesmo vencida não deixa de ser razão".
Sinto-me triste que o partido que desde 1976 tem merecido o meu voto se empenhe desta forma numa esfera que é dos valores intimos de cada um.

Henrique Guedes-Pinto